Apesar dos esforços de Pedro Parente, investidores questionam os planos de reestruturação da maior companhia de alimentos processados do País

Valéria Bretas

11/10/2018

 

Pedro Parente, CEO Global da BRF: “A nossa estratégia vai ser executada em ondas”

 

Desde que Pedro Parente assumiu o comando da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, em junho deste ano, a maior empresa de alimentos processados do Brasil luta para reconquistar a confiança dos investidores e conseguir reestruturar sua operação, que detém hoje R$ 15,6 bilhões de dívida líquida. Não demorou muito para o executivo arregaçar as mangas. Com apenas 14 dias à frente da presidência, Parente anunciou um plano para reduzir o endividamento e estabeleceu a meta ambiciosa de levantar R$ 5 bilhões até o fim do ano. O pontapé inicial para driblar a crise nos negócios foi anunciar a venda das fábricas na Argentina, na Tailândia e na Europa. A BRF também abriu mão de ativos imobiliários e não operacionais, além de participações minoritárias em outras empresas, como a Minerva Foods. Dando continuidade às mudanças, o conselho de administração decidiu eliminar cargos e reduziu o número de vice-presidências de 14 para 10. “Vamos não só recuperar aquilo que a gente já foi, mas ir além disso”, disse Parente, em encontro anual com acionistas, realizado na segunda-feira 8, na capital paulista. “A nossa estratégia vai ser executada em ondas.”

Apesar de todos os esforços de Parente para mostrar as etapas do planejamento estratégico para o ciclo 2019-2023, os investidores continuam desconfiados. O executivo tem buscado meios para reverter a queda da margem no ano que vem e reduzir o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) de quase cinco vezes a geração de caixa para um regime de 1,5 vez a 2 vezes. O plano para fortalecer novamente o balanço, porém, deve demorar mais do que o esperado, o que desanimou os analistas. Na segunda-feira, apesar da euforia do mercado financeiro com a votação de Jair Bolsonaro, as ações da gigante de alimentos ficaram praticamente estáveis. O Ibovespa subiu 4,7%, com volume recorde de negócios. “Eles estão fazendo a coisa certa, mas vender os R$ 5 bilhões em ativos não vai resolver o problema da alavancagem”, diz Diana Stulhberger, analista de alimentos da Eleven Financial. Já a recuperação da lucratividade da empresa deve ficar apenas para 2020, quando a BRF pretende voltar a ter margens no patamar de 10%.

 

Patrício Rohner, vice-presidente de Halal: “Temos a oportunidade de vender mais para uma população que cresce rápido”

 

Nos bastidores, os analistas questionam a falta de atualizações quantitativas no plano. Em relatório, o BTG Pactual afirmou que enquanto espera que a administração foque em melhorar a eficiência e recuperar o poder de precificação, não há uma saída fácil ou rápida para a companhia retomar sua margem. Já a XP investimentos observou que o sucesso da reestruturação vai depender de sua execução e retorno. O fato é que, em meio ao caos, Parente colocou à prova a expectativa de tirar a empresa da crise. O desafio do executivo é similar ao que ele encontrou quando assumiu a presidência da Petrobras, em junho de 2016. Naquela época, Parente precisou encarar um elevado índice de endividamento e alta alavancagem financeira.

Sem contar os escândalos de corrupção que colocaram a estatal em sua pior crise de credibilidade. Mas, sob o seu comando, a petroleira voltou a operar no azul depois de anos no vermelho e conseguiu reduzir parte da dívida líquida bilionária. O caminho para começar a reverter a queda no caixa foi vender ativos da companhia e reduzir o quadro de funcionários. O diagnóstico para a BRF parece ter sido semelhante. Além da venda dos ativos, que deve ser concluída até dezembro deste ano, Parente anunciou uma redução de 5% do quadro total de funcionários no Brasil, o equivalente a cerca de 4 mil pessoas. Os ajustes da produção, segundo ele, serão feitos em 22 das 35 fábricas, mas não haverá fechamento de unidades no País.

Já com as mudanças no comando da companhia e a aprovação do conselho de administração, a outra parte do plano é focar os esforços das operações no Brasil, na Ásia e no mercado muçulmano, incluindo Oriente Médio e Turquia. “O segmento Halal (abate religioso praticado em países muçulmanos) abrange uma população de rápido crescimento e que já soma 2 bilhões de habitantes. Temos oportunidade de vender muito mais”, disse o vice-presidente de Halal, Patrício Rohner, durante o evento BRF Day. Segundo o executivo, o objetivo para esse nicho a partir de agora é alavancar ainda mais a liderança por meio de produtos de valor agregado e lançamentos, como congelados e produtos em bandejas. Já no mercado árabe, o plano é intensificar a produção na Turquia e ganhar participação de mercado no segmento de resfriados.

 

Sidney Manzaro, vice-presidente de Alimentos do Brasil: “A ideia é que a Sadia seja uma marca presente em todas as refeições do dia”

 

Na esteira das novas estratégias, a atuação nacional também exigirá grandes esforços. Quem entra no comando da vice-presidência de alimentos é Sidney Manzaro, ex-Ambev que atuou na área comercial da BRF entre 2005 e 2015 e agora retorna à companhia para engrossar o time no Brasil. Ele destacou que a rentabilidade da BRF no País virá com inovação, ampliação do portfólio e novo posicionamento das marcas. Sadia estampa o exemplo das novas apostas. “Temos acertado com Perdigão, mas não estávamos fazendo a mesma coisa com Sadia”, disse Manzaro. “A ideia agora é fazer com que o consumidor perceba nela uma marca presente em todas as refeições do dia.” Para Miriam Salomão, professora de branding da ESPM, não há falha no posicionamento da marca. Ela, no entanto, acredita que a mudança pode deixar a desejar. “A dúvida é se essa proposta tem força suficiente para conseguir essa virada no caixa que eles precisam. Não me parece nada radical”, diz ela.

A transformação da BRF para reduzir custos passa ainda por outras etapas. O programa orquestrado pelo vice-presidente de operações, Vinicius Barbosa, ex-AmBev, inclui a redução dos custos de energia em 20% e o aumento de estoques de matéria-prima. “Boa parte do nosso custo hoje é com grãos”, disse. “Vamos aumentar a nossa capacidade de armazenagem para ajudar a minimizar os efeitos de picos de valor que acontecem durante o ano.” A reorganização da parte operacional é importante para companhia devido a credibilidade que perdeu com os fornecedores após a mudança na gestão de estoque. Pouco antes da quebra da safra de milho de 2015-2016, a administração da BRF reduziu o período máximo dos grãos de nove meses para 45 dias.

A manobra, que deveria liberar capital de giro, se voltou contra a empresa, que viu os preços do cereal subirem. Parente – que acumula experiência em multinacionais agrícolas, como a Bunge – sabe que a troca do time seria fundamental para controlar essa tempestade. “Parente criou um time completo, contratou bancos para vender os ativos e já refinanciou R$ 4 bilhões em dívidas”, afirma Leandro Fontanesi, analista do Bradesco BBI. “Obviamente que o resultado é progressivo, mas a empresa tem escala para competir no mercado.” Resta saber se todas essas ações, que não foram poucas, serão suficientes para recolocar a BRF nos eixos.

 

 

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