Após encontro com Bolsonaro, Roberto Azevêdo defendeu nova política externa do Brasil; diplomata já foi defensor do multilateralismo

Lu Aiko Otta e Leonencio Nossa, O Estado de S.Paulo

04 Janeiro 2019 | 04h00

BRASÍLIA – Embora pretenda privilegiar as negociações bilaterais, o governo de Jair Bolsonaro irá engajar-se nas discussões para reforma de um organismo multilateral, a Organização Mundial do Comércio (OMC). O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse em seu discurso de posse que o Brasil entrará nos debates. Com isso, seguirá os passos dos Estados Unidos, declaradamente um modelo para a nova política externa brasileira. Nesta quinta-feira, 3, Bolsonaro recebeu o diretor-geral da OMC, embaixador Roberto Azevêdo.

O organismo vive hoje uma crise sem precedentes justamente por causa dos Estados Unidos. Desde o início de seu mandato, Donald Trump tem criticado a atuação do organismo, que acusou de privilegiar a China. Chegou a ameaçar retirar-se e vem, há meses, bloqueando a nomeação de integrantes para o órgão de apelação do organismo, o que pode levar a sua paralisação. Por trás dessas atitudes, estava uma visão que os problemas do comércio americano seriam mais bem encaminhados em negociações bilaterais.

Recentemente, porém, os americanos passaram a admitir que algumas questões são resolvidas de forma mais efetiva pela via multilateral, ou seja, seguida por diversos países. Um exemplo é a incipiente discussão sobre adoção de regras mundiais para o comércio eletrônico. A discussão foi lançada no mês passado na reunião do G-20, em Buenos Aires. E os Estados Unidos participam.

O governo norte-americano vem pressionando para a inclusão de outros temas na pauta da reforma da OMC. Por exemplo, a adoção de normas para a atuação de empresas estatais, mirando a grande quantidade de empresas chinesas que têm apoio do governo. Eles querem também discutir um acordo global para proteção de propriedade intelectual, outro problema sempre lembrado na disputa com a China. E também normas para a concessão de subsídios à indústria.

A afirmação de Araújo indica que o Brasil vai engajar-se na discussão desses e outros temas. Nisso, não há conflito com a linha que vinha sendo adotada até o final do ano passado.

Após a audiência com Bolsonaro, Azevêdo foi questionado sobre as críticas do atual governo ao multilateralismo. Ele respondeu que esse é um falso dilema. “Tenho dito com grande frequência que o caminho bilateral tem de ser trilhado e é mais efetivo sobretudo nas negociações tarifárias e acesso ao mercado”, afirmou. A via multilateral, por sua vez, é mais útil para negociar regras de uso geral, como o recente acordo de facilitação de comércio aprovado pelo organismo.

Indicado pelo governo Dilma Rousseff, o diplomata foi eleito para o cargo em 2013 e reeleito em 2017 para seu segundo e último mandato. Na conversa desta quinta-feira com os jornalistas, Azevêdo disse que a OMC precisa se renovar e responder às demandas do “mundo moderno”. “Esse mundo que estamos vendo aí é completamente diferente de 15, 20 ano atrás.”

O embaixador elogiou Araújo, que estava presente no encontro com Bolsonaro. Ele avaliou que o posicionamento crítico do chanceler a órgãos como a OMC e ao que se chama de “globalismo” “foi muito propício, compatível com tudo o que está acontecendo”. “Ele está dizendo que devemos repensar. Não vejo nenhum problema em repensar as coisas. Na OMC nós estamos fazendo esse exercício de autocríticas e rearejando o sistema.”

Na avaliação do diplomata, Bolsonaro e o chanceler não deram sinais de que pretendem “abandonar” a OMC. “Eles querem que esses organismos respondam melhor e estejam adaptados ao mundo moderno e aos interesses brasileiros, o que acho normal”, disse. “Eles deixaram bem claro que a ideia é usar os mecanismos internacionais, a própria OMC, de uma maneira que, evidentemente, sirva aos interesses brasileiros.”

Durante a entrevista no Planalto, o diretor-geral da OMC evitou comentar as reações de países árabes à declaração de Bolsonaro de que pretende mudar a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. “Não tratamos desse assunto”, disse. “Falamos mais no contexto geral. Não tratamos de temas particulares ou relações bilaterais. O Brasil, como 10ª economia do mundo, tem interesses diversificados e essa complexidade do comércio brasileiro tem que ser bem avaliada pela equipe econômica.”

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