Benefício fiscal para exportação de carnes e açúcar será restrito a cotas anuais. Veja quais são os possíveis efeitos do pacto, segundo analistas do setor.

Por Rikardy Tooge, G1 — São Paulo

16/07/2019

O acordo entre Mercosul e União Europeia, que ainda não tem data para valer, abrirá uma porta para o Brasil aumentar o volume de exportações agropecuárias, mas setores competitivos deverão ter ganho limitado com pacto, avaliam especialistas ouvidos pelo G1.

Produtos com grande fluxo de embarques para a Europa, como as carnes bovina, suína e de frango, tiveram os benefícios fiscais do pacto restritos a cotas anuais. Um dos motivos para isso é a forte resistência de produtores da UE ao acordo.

“Eles protegeram o setor de carnes [com as cotas], onde o Brasil é muito competitivo. Em geral, os produtos mais relevantes tiveram uma abertura limitada, como o açúcar também”, diz o professor de relações internacionais da PUC-RJ Carlos Frederico Coelho.

“Você vai ter uma porta aberta para o mercado europeu, mas está aberta com obstáculos. Ainda assim, é melhor essa porta aberta do que fechada”, pondera o pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV Felippe Cauê Serigati.

O consultor em agronegócio Pedro Camargo Neto acredita que o acordo é positivo para mostrar a força do país como negociador, mas que, até o momento, o pacto não mostra ganhos econômicos significativos para o Brasil.

“Em termos econômicos, gerar desenvolvimento, exportar bilhões, não vai (gerar). As cotas são muito pequenas… Quando se fala em 99 mil toneladas para carne bovina (para todo o Mercosul), não é uma quantidade que muda a pecuária”, explica.

Por outro lado, produtos em que o Brasil não tem um grande volume de exportação também tiveram acesso às cotas. Mesmo que limitada, essa abertura pode incentivar os embarques, segundo os especialistas.

“São produtos com baixa participação no valor das exportações totais, mas há interesse do Brasil em elevar as vendas externas desses produtos”, afirma Andréia Adami, analista do Centro de Estudos em Economia Aplicada (Cepea). Ela aponta para os casos de etanol, arroz e lácteos.

Tarifa zerada

Foi acertado livre comércio para outros itens em que o Brasil é referência no mercado externo, como café solúvel e suco de laranja.

Além desses produtos, há também livre comércio para algumas frutas. “Certamente tem uma série de produtos zerados [de tarifas] que não são os principais produtos de exportação brasileiros”, continua Coelho.

‘Os frutos não serão colhidos agora’

Serigati, da FGV, acredita que, por um lado, o acordo de livre comércio é bom, mas é difícil apontar “ganhadores” neste momento.

“Embora o acordo seja bom, haverá mortos e feridos. O processo de ajuste não é simples, alguns setores vão reduzir de tamanho, postos de trabalho. Os frutos não serão colhidos agora”, explica.

Apenas textos preliminares foram divulgados pelo Brasil e pela União Europeia. Para que o pacto entre em vigor, os parlamentos de todos os países envolvidos na negociação precisam aceitar a proposta.

Pelo lado brasileiro, Coelho acredita que a aprovação deverá ser rápida, tão logo o texto final seja liberado. “Historicamente, o Congresso brasileiro não tem muito apetite por assuntos de relações internacionais, mas creio que será diferente dessa vez”.

O pesquisador da FGV lembra que o pacto é amplo e abre a possibilidade de produtos europeus, como queijos, vinhos e espumantes terem entrada facilitada no Brasil. Para ele, essa competição vai fazer com que os produtores brasileiros invistam mais na qualidade do produto.

“Se fosse apontar um grande ganhador disso é o consumidor. Porque ele terá acesso a bens que não estavam disponíveis no seu mercado legal”, diz Serigati.

O que dizem produtores de carne

Na avaliação das associações de produtores e exportadores, as barreiras protecionistas da Europa eram grandes e agora ficaram menores.

No caso da carne bovina, a União Europeia já é o terceiro maior mercado em faturamento, correspondendo a 9% do total exportado pelo Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Em volume, o bloco representa o quinto maior mercado, com 6% do total, mesmo com uma tarifa média de 20% sobre os embarques.

Agora, com o acordo, a proteína terá direito a uma cota com tarifa de 7,5% sobre 99 mil toneladas (para todo o Mercosul, e não só o Brasil), sendo 55% disso in natura e 45% de carne congelada. Além disso, haverá taxa zero para a entrada de 10 mil toneladas de cortes especiais (cota Hilton).

“Isso nos deixa mais competitivos, com cortes que antes não eram viáveis de serem exportados. Com o tributo zerado [para a cota Hilton], eu também posso mudar oferta para a Europa, afirma o presidente da Abiec, Antônio Camardelli.

“Agora, precisamos saber como os protocolos sanitários e outros processos vão funcionar e que sejam viáveis de executar”, continua Camardelli.

Na avaliação do Cepea, estimando a cota total do continente, as vendas para o exterior de carne in natura podem saltar 139% após o acordo. No caso da proteína congelada, não existe margem para aumento de embarques, segundo o centro.

O que dizem produtores de açúcar e etanol

Para o açúcar e o etanol, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) acredita que, dentro das cotas estabelecidas, esses produtos podem trazer mais de R$ 2 bilhões por ano para o setor. Esse valor equivale a 7% do total do faturamento do país com a exportação dos dois produtos em 2018.

Na avaliação da Unica, o acordo deve beneficiar mais as usinas de cana do Norte e Nordeste, já que uma lei federal dá preferência para a venda de produtos dessas regiões em pactos comerciais desta natureza.

O que dizem produtores de café

Para o setor do café, o acordo foi visto como positivo. Isso porque o produto poderá chegar com mais valor agregado ao continente europeu.

Atualmente, grande parte das exportações do Brasil é do grão verde, que precisa passar por secagem para ser moído (a chamada torrefação) para depois ser transformado em bebida.

“Hoje, exportamos mais café verde para que os países compradores torrem o grão lá. Esse acordo com a União Europeia vai facilitar isso [vender o produto seco]”, afirma Carlos Brando, presidente da Plataforma Global do Café, entidade que reúne produtores e exportadores do grão, durante apresentação no fórum mundial do setor.

Pressão dos produtores europeus

Nos dias seguintes ao anúncio oficial do acordo, agricultores e pecuaristas da União Europeia se manifestaram contra a proposta.

Um dos países que mais abriu fogo ao pacto foi a França, onde os subsídios agrícolas são muito presentes. Os produtores franceses receberam € 97,59 bilhões da Política Agrícola Comum (PAC) do bloco, segundo os últimos dados (2017) da União Europeia. É a maior participação entre os países (17,5%).

Entretanto, Carlos Frederico Coelho acredita que as manifestações contrárias são uma forma da UE ter mais poder de negociação antes de o texto final do acordo sair.

Além do governo da França, que cobrou mais empenho da política ambiental brasileira, produtores da Irlanda e da Alemanha também se manifestaram contrários à proposta.

Princípio da precaução

Um dos pontos do acordo que gerou apreensão no agronegócio foi a inclusão do “princípio da precaução”, que permite aos blocos suspenderem as importações se desconfiarem de que a prática ambiental do parceiro comercial não é satisfatória.

A cláusula nasceu na conferência climática da ONU Rio-92 e está intimamente ligada com o controle do desmatamento, um tema sensível ao agronegócio.

O governo brasileiro afirmou que, no acordo firmado, quem utilizar o princípio deverá apresentar prova científica, o que não é comum neste tipo de trato.

Nos textos preliminares divulgados por Mercosul e União Europeia, o trecho que trata do assunto (Comércio e Desenvolvimento Sustentável) foi escrito de maneiras diferentes nos princípios de acordo.

A pedido do G1, o advogado especialista em relações internacionais Marcos André Vinhas Catão e Carlos Frederico Coelho, da PUC-RJ, analisaram os textos.

A versão europeia não cita abertamente a existência de um “princípio da precaução”, mas lista o Acordo Climático de Paris e a Moratória da Soja (pacto entre indústrias para não comprarem grãos de áreas desmatadas da Amazônia) como práticas que serão observadas no acordo.

“Acredito que a falta de clareza no texto [divulgado pela UE] é que dá confiança para o Brasil de que o princípio não será mal utilizado”, diz Catão.

Na versão divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, este trecho está bem claro e explica o funcionamento da cláusula em caso de uma divergência. Sobre a diferença nos textos, os especialistas consideram isso normal.

“Esses textos são um ponto de partida, acordos de princípios. Esses detalhes certamente serão resolvidos quando sair o texto do acordo em si”, reforça Coelho.

O consultor Pedro de Camargo Neto, que participou de missões internacionais pelo Ministério da Agricultura, acredita que o Brasil cedeu mais do que deveria neste ponto.

“Quando falamos de barreira comercial, a OMC [Organização Mundial do Comércio] pede uma fundamentação científica, algo que não existe [no princípio da precaução]. Falta clareza neste ponto e o Brasil pode ter se comprometido com algo que não possa fazer”, diz Camargo Neto.

“O princípio da precaução torna o acordo mais palatável, tanto do ponto de vista do Parlamento Europeu quanto da França, que parece ser o país onde a tramitação do acordo será mais delicada”, lembra o professor da PUC-RJ.

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