Setor tem sido afetado pela demanda fraca e baixa competitividade. Participação da indústria de transformação caiu para 11,2% do PIB no 1º trimestre – menor percentual desde 1947.

Por Darlan Alvarenga, G1

27/08/2019

Com a maior fraqueza da economia brasileira em 2019, a produção industrial entrou novamente em um quadro de retração na primeira metade do ano e o setor manufatureiro viu sua participação no PIB (Produto Interno Bruto) encolher ainda mais, acentuado o processo de desindustrialização que já vem ocorrendo no país nas últimas décadas.

A produção industrial fechou o 1º semestre com uma queda de 1,6% e já acumula 3 trimestres seguidos no negativo, após uma pequena recuperação em 2018. Segundo o IBGE, o nível de produção da indústria em junho retrocedeu para o patamar de 2009, atingindo um volume 17,9% abaixo do ponto mais elevado da série histórica, alcançado em maio de 2011.

Apesar da relativa reação da indústria de transformação nos últimos meses, a expectativa dos analistas é que o PIB da indústria geral (que inclui também as atividades extrativas, construção civil, eletricidade e outros) deve ter ficado mais uma vez no vermelho no 2º trimestre, na comparação com o trimestre anterior, após duas quedas seguidas – de 0,7% no 1º trimestre e de 0,3% no 4º trimestre. Os números oficiais do PIB do segundo trimestre serão divulgados pelo IBGE em 29 de agosto.

“A economia não vai bem justamente porque a indústria está em um quadro de recessão. A indústria está no negativo há 3 trimestres consecutivos e isto não é pouca coisa para um setor que já perdeu muito ao longo da crise de 2014, 2015 e 2016”, afirma o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. “Na nossa avaliação, é um ano que tem mais cara de estagnação do que de recessão, mas o risco de ficar um pouco abaixo de zero existe”.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ainda não revisou a sua projeção para o PIB da indústria em 2019 (de alta de 0,4%), mas afirma que ainda não há garantia de crescimento no ano. “Estamos à beira da recessão, mas preferimos usar a palavra estagnação”, diz o economista da CNI, Flávio Castelo Branco.

Efeito Brumadinho e piora do cenário internacional

Além da recuperação lenta da economia e da ociosidade ainda elevada das fábricas, a indústria tem sido abalada neste ano pelo tombo da produção atividade extrativa mineral (queda de 13,7% no semestre), como reflexo ainda da tragédia de Brumadinho (MG) na Vale. Além disso, o setor passou a ter também as suas exportações pressionadas pela recessão da Argentina e pela guerra comercial entre China e Estados Unidos.

Na visão dos analistas, até mesmo a melhora da confiança diante da perspectiva de aprovação da reforma da Previdência e o impacto positivo das medidas de liberação do FGTS podem ser anulados pela piora do cenário internacional em meio aos temores de desaceleração global.

“Falta demanda. Não temos um processo de recuperação sólido, o que vemos são espasmos de crescimento, com uma melhora de confiança aqui, um pouco mais de exportação ali, mas a coisa não engrena. A indústria pode até ter saído do fundo do buraco, mas ficamos estagnados no barranco”, resume Cagnin.

Desindustrialização acelera

O ritmo mais lento de reação da indústria tem levado o setor a perder peso na economia brasileira. Levantamento da economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostra que a participação da indústria na soma de todos os bens e serviços produzidos no país vem encolhendo continuamente desde 2010 para mínimas históricas.

No 1º trimestre, ficou em 21,5% do PIB ante 21,6% do PIB no final de 2018 e um pico de 29,1% no 2º trimestre de 2005. Desde 1995, quando começa a série de dados trimestrais do IBGE, a participação da indústria encolheu 5,4 pontos percentuais. No mesmo período, a agropecuária se manteve na faixa de 5% do PIB e o setor de serviços viu seu peso aumentar em 6,1 pontos percentuais, para 73,5% do PIB.

Analisando o conjunto de componentes da indústria, a perda de protagonismo do setor é resultado direto do encolhimento da indústria manufatureira. Série elaborada pela economista do Ibre/FGV, com metodologia de correção dos valores a preços correntes, mostra que o peso da indústria de transformação caiu de 16,8% do PIB em 1995 para 11,2% do PIB no 1º trimestre de 2019 – menor patamar desde 1947, ano em que se inicia a série histórica do IBGE.

O tombo da atividade foi ainda maior que o da construção civil, cuja participação no PIB recuou de 7% em 1995 para 4,4% no 1º trimestre. Já a fatia da indústria extrativa avançou de 0,7% para 3,1% no período, e a de eletricidade, de 2,4% para 2,9%, de acordo com o levantamento.

A melhor marca do setor manufatureiro foi registrada em 1985, quando o peso da indústria de transformação chegou a 24,5%. A partir de então, entrou em trajetória praticamente contínua de queda, com exceção de um breve período de recuperação no início dos anos 2000.

Embora a perda de participação da indústria no PIB e avanço do setor de serviços seja um fenômeno mundial, a desindustrialização no Brasil preocupa não só por tornar ainda mais lenta a retomada da economia, mas também por ser considerado um processo “prematuro”. Ou seja, por acontecer a uma velocidade mais rápida do que a verificada em outros países e por ocorrer antes de o país ter atingido um maior nível de desenvolvimento e de renda per capita.

Nos países desenvolvidos, a perda de participação da indústria de transformação foi acompanhada quase sempre de um aumento de renda per capita, que resultou num avanço de setores de serviços destinados a atender uma demanda cada vez maio por atividades de tecnologia e informação, turismo e lazer, serviços financeiros e pessoais, saúde privada, educação, entre outros. Já no Brasil, os pesquisadores destacam que o espaço deixado pela indústria tem sido ocupado pelo setor de serviços, geralmente em atividades de pouca especialização.

“O setor de serviços é o mais importante no mundo todo e é natural que a indústria perca participação, a tendência estrutural é isso. A questão toda é que o Brasil se desindustrializou de uma maneira muito rápida e com uma taxa de crescimento muito baixa. Então não tem muito espaço de realocação de fatores. É muito mais difícil crescer e ter ganhos de produtividade pelo setor de serviços, porque ele é intensivo em trabalho”, observa Matos.

O setor industrial se destaca dos demais no Brasil não só por pagar salários médios mais altos, como também por seu efeito multiplicador na economia, pela capacidade de reduzir custos e agregar valor a produtos básicos e por desempenhar um papel estratégico na dinamização de todo o setor produtivo, como ofertante e demandante de tecnologias e inovação.

Cálculos da CNI mostram que, em média, um aumento de R$ 1 na produção industrial se multiplica pela produção da própria indústria e dos demais setores da economia, resultando em uma aumento adicional de R$ 1,40.

Trabalho

A estagnação da indústria de transformação também ajuda a explicar a lenta recuperação do mercado de trabalho. Embora a participação no PIB tenha caído para o patamar de 11%, o segmento ainda concentra 18,7% dos empregos com carteira assinada no país.

O número de trabalhadores formais no segmento, que chegou a atingir 8,5 milhões no final de 2013 está praticamente estacionado em 7,2 milhões desde 2017, de acordo com números do Ministério da Economia. O encolhimento reflete não só a alta ociosidade como também a dificuldade de sobrevivência das empresas. Dados da Serasa Experian mostram que, desde 2013, mais de 9,3 mil indústrias tiveram a falência decretada no Brasil.

Caso mais grave de declínio prematuro

Estudo divulgado recentemente pelo Iedi aponta o Brasil como o caso mais grave de declínio prematuro da indústria no período entre 1970 e 2017, quando o peso da atividade manufatureira na economia caiu quase pela metade, superando a desindustrialização observada em países como Argentina, Filipinas e Rússia.

Considerando uma lista de 30 países que representam cerca de 90% da indústria de transformação mundial, o Brasil registrou o 3º maior retrocesso desde a década de 70, ficando atrás apenas para a desindustrialização registrada no período na Austrália (de 16,5% do PIB para 5,9% do PIB) e Reino Unido (de 17,4% para 9,1% do PIB). Esses dois últimos, países que, diferentemente do Brasil, já tinham alcançado um renda média elevada no momento que a indústria começou a perder espaço para os serviços na estrutura produtiva, observa a pesquisa assinada pelos economistas Paulo Morceiro e Milene Tessarin, da Fipe/USP.

O estudo observa ainda que o declínio industrial não é um fenômeno mundial e que, além da China e Coreia do Sul, países como Indonésia, Malásia, Índia, Turquia e Polônia também conseguiram registrar um crescimento expressivo do parque industrial, sustentado por inovações tecnológicas e internacionalização de suas empresas.

Baixa produtividade e outros entraves

Muito além do “fator China”, o retrocesso da indústria brasileira, segundo os analistas, está diretamente relacionado à baixa produtividade do país e problemas estruturais crônicos gerados pelo chamado “custo Brasil”, que inclui elevada carga tributária e de custo do trabalho, burocracia, baixa taxa de poupança, entre tantas outras desvantagens competitivas.

“Para não correr o risco de encolher ainda mais, a indústria precisa superar os seus problemas de produtividade e competitividade, com reformas estruturais e uma agenda focada em inovação e educação”, afirma Castelo Branco.

Aumentar a produtividade significa não só reduzir custos como também agregar valor na estrutura de produção, mediante maior eficiência, uso mais intensivo de tecnologia e desenvolvimento de produtos finais mais sofisticados. “Basicamente é fazer mais limonada com menos limão. É gerar muito mais valor adicionado com menos insumos intermediários”, explica a economista do Ibre/FGV.

Os economistas chamam atenção também para baixa participação do Brasil no comércio mundial e nas cadeias globais de produção.

“O Brasil segue como um país relativamente fechado, com a indústria muito voltada para o mercado doméstico. Para exportar muito, a indústria também tem que importar muitos insumos intermediários de outros países, faz parte do jogo. Proteger a indústria não é a saída para aumentar a participação no PIB”, afirma Matos.

Outro obstáculo para a retomada da indústria nacional é a baixa participação nos setores mais intensivos em tecnologia. “Perdemos um pouco o bonde da microeletrônica, da 3ª revolução industrial lá nos anos 80. Além disso, outros setores que deveriam ter surgido não vieram e é isso que compromete a onda que estamos vendo agora e que está sendo chamada de indústria 4.0”, afirma Cagnin.

O economista vê, entretanto, uma nova janela de oportunidade para a indústria brasileira. “Nem tudo passa pela microeletrônica. Há novas atividades surgindo em que o Brasil pode entrar, como os químicos verdes, que são a união entre o agro e o setor químico. Hoje em dia as tecnologias são mais abertas, existe muito mais cooperação e tem como se inserir”, acrescenta.

Para Matos, do Ibre/FGV, tanto a recuperação da indústria como a retomada do crescimento do país dependem não só de reformas estruturais como também de uma agenda pró-produtividade, que estimule o investimento em capital humano e inovação em todos os setores da economia.

“Não é só uma questão de agenda de industrial, mas de uma agenda de país. Isso vale também para serviços inovadores. A indústria demanda cada vez mais serviços associados, como a produção de softwares”, afirma. “Estamos falando hoje de uma indústria muito mais intensiva em capital e em inovação, mas ainda estamos distante dessa indústria 4.0”, diz.

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