Com Previdência superada, analistas indicam que o governo precisa avançar na reforma administrativa, seguir com os processos de privatização e promover uma desindexação do Orçamento.

Por Luiz Guiherme Gerbelli, G1

23/10/2019

A reforma da Previdência é considerada essencial para o ajuste fiscal, mas, sozinha, não resolverá os problemas das contas públicas do país.

O Senado aprovou nesta terça-feira (22) por 60 votos a 19, em segundo turno, o texto-base da reforma da Previdência. A conclusão da votação deve ocorrer nesta quarta-feira (23) com com a análise dos 2 últimos destaques

A mudança na legislação previdenciária vai ajudar o governo a conter o aumento das despesas com aposentadorias – a expectativa é de uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos aos cofres públicos. Mas, para o processo de ajuste fiscal ter êxito, analistas indicam que o governo precisa promover a reforma administrativa, para que seja possível mexer com estruturas de carreiras e salários dos servidores e, assim, reduzir os gastos com pessoal, avançar nos processos de privatizações e promover uma desindexação do Orçamento.

A equipe econômica já sinalizou que, com a aprovação a reforma da Previdência, deve encaminhar ao Congresso uma série de medidas econômicas.

O peso dos gastos com Previdência e servidores no Orçamento do governo é expressivo. Entre janeiro e agosto, segundo o Instituição Fiscal Independente (IFI), as despesas do governo com benefícios previdenciários e com pessoal somaram R$ 595,2 bilhões e representaram 67,2% do que foi gasto no período.

“A reforma da Previdência foi importantíssima, mas ainda não é suficiente para preservar as contas públicas”, afirma a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. “É uma agenda incompleta”, diz.

A economia com a reforma da Previdência ficou abaixo da estimativa inicial do governo, que era de R$ 1,2 trilhão. E também deixou estados e munícios de fora – uma proposta de emenda à Constituição (PEC) paralela tenta incluir esses dois entes federativos na reforma.

A área fiscal é bastante delicada porque boa parte dos gastos do governo federal é obrigatória, ou seja, não há margem de manobra para reduzir as despesas e sobra pouco espaço para o investimento público. Neste ano, os analistas consultados pelo relatório Prisma, que colhe as estimativas de analistas do setor privado para as contas públicas do Brasil, preveem que o déficit primário (anterior ao pagamento dos juros da dívida) vai ser de R$ 99,187 bilhões.

A previsão está abaixo da meta do governo – que é de um déficit de R$ 139 bilhões –, mas, se confirmada, o país terá o sexto ano seguido de rombo nas contas públicas. “É importante rever a dinâmica das despesas obrigatórias. A reforma administrativa precisa ser feita”, afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

Dentro do arcabouço fiscal do país, o crescimento dos gastos obrigatórios e o baixo investimento público abriu uma discussão recente sobre a viabilidade do teto de gastos – que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

No início de setembro, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que, em dois ou três anos, a alta das despesas vai zerar a capacidade de investimento federal. A mensagem foi interpretada como uma sinalização a uma eventual flexibilização do teto. Um dia depois, Bolsonaro defendeu “preservar” o teto de gastos.

“A última declaração, de preservar o teto, vai na direção correta. O caminho não deve ser na direção de flexibilizar o teto”, afirma Zeina.

Mercado monitora o fiscal

O processo de consolidação das contas públicas é monitorado de perto pelos agentes financeiros. Se o Brasil não tiver uma política fiscal crível na leitura do mercado, os analistas indicam que o país pode enfrentar um cenário perverso, de piora de percepção de risco sobre os fundamentos da economia brasileira, o que pode afugentar novos investidores.

A aprovação da reforma da Previdência ajudou, segundo analistas, a reduzir o risco-país medido pelo CDS (Credit Default Swap). Nesta terça-feira, o CDS brasileiro estava em quase 128 pontos. No início do ano, rondava os 200 pontos.

O CDS é uma espécie de seguro contra calote e, portanto, funciona como uma das principais métricas de riscos entre as economias. Quanto mais alto é o CDS, portanto, mais arriscado o país é considerado pelos investidores.

O patamar do risco-país do Brasil ainda é alto quando comparado com outras economias da América do Sul. O CDS do Chile está em 38 pontos, o do Peru em 54 pontos, o da Colômbia em 84 pontos, e o do México em 102 pontos.

“Apesar de não ser mais uma economia com o grau de investimento, o risco-país do Brasil não está tão alto diante dessa expectativa de uma agenda reformista”, afirma Campos Neto.

Em 2015, o Brasil perdeu o grau de investimento. Embora a reforma da Previdência ajude e seja bem vista pelas principais agências de classificação de risco, a volta do país ao patamar de grau de investimento depende de uma redução do endividamento.

Em agosto – último dado disponível –, a dívida bruta chegou a quase 80% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Banco Central. Na média, países emergentes, parecidos com o Brasil e com grau de investimento, têm endividamento de 60% do PIB.

“Não vejo as agências de risco mudando o cenário atual. O país vai levar tempo para conquistar o grau de investimento de novo”, diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale. “Vamos precisar ter uma melhora na dívida, mas que só virá depois de 2024. Não vejo o Brasil virando grau de investimento antes disso.”

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