Se redução for confirmada, taxa básica de juros chegará ao menor percentual desde 1999. Economista ouvido pelo G1 diz que crise do novo coronavírus pode influenciar decisão; entenda.
Por Alexandro Martello, G1 — Brasília
05/02/2020
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reunirá nesta quarta-feira (5), e a expectativa de analisas do mercado financeiro é que a taxa básica de juros, a Selic, seja reduzida de 4,5% para 4,25% ao ano.
Se a redução for confirmada, a Selic chegará ao menor percentual de 1999, quando entrou em vigor o regime de metas para a inflação. A decisão deve ser anunciada após as 18h.
De acordo com uma pesquisa do Banco Central, a previsão dos economistas dos bancos é que a Selic permanecerá em 4,25% até o fim do ano, voltando a subir em janeiro de 2021 (possivelmente para 4,5%). O atual ciclo de redução dos juros começou em julho do ano passado.
Como a decisão é tomada
A principal missão do Banco Central é controlar a inflação, tendo por base o sistema de metas. Para este ano, a meta central de inflação é de 4%, podendo oscilar de 2,5% a 5,5%. Para 2021, o objetivo central é de 3,75% (com oscilação de 2,25% a 5,25%).
Quando as estimativas para a inflação estão em linha com as metas, o BC pode reduzir os juros. Entretanto, quando estão acima da trajetória esperada, a taxa Selic é elevada.
A expectativa do mercado financeiro para o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a inflação oficial – para 2020 e 2021 estão comportadas. Para este ano, a previsão do mercado é de que a inflação fique em 3,40% e, para o próximo, em 3,75%.
Coronavírus
O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, diz que o BC atenta para os chamados “mecanismos de transmissão” da política monetária, ou seja, para os efeitos que os acontecimentos têm sobre a inflação.
No caso da epidemia do coronavírus, que tem derrubado o resultado de bolsas de valores na China, Leal avalia que o principal impacto é limitar o crescimento da economia mundial e, consequentemente, da economia brasileira. Por isso, ele avalia que o coronavírus pode favorecer um eventual corte dos juros neste momento.
“A gente não sabe qual é a duração desse surto do coronavírus. Se seguir o padrão da Sars [Síndrome Respiratória Aguda Grave, em 2002/2003], deve ter estabilização dos casos no final de fevereiro, início de março. E pode ter um impacto no crescimento [do PIB brasileiro deste ano para baixo] de 0,2 a 0,3 ponto do PIB”, afirmou ao G1. Até o momento, o mercado estima uma alta de 2,3% para o PIB de 2020.
Sobre os impactos do coronavírus no dólar, impulsionando alta recente, e a repercussão na inflação, Leal disse que isso não é um problema em um cenário de baixo nível de atividade.
“Já vimos no ano passado. O dólar subiu para R$ 4,20 e a gente não viu impactos relevantes sobre a inflação, porque o nível de atividade [baixo] controlou a passagem do dólar para os preços, o chamado ‘pass-through’ no jargão econômico”, disse.
Em comunicado assinado pelo economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, o banco avaliou que a epidemia “tem motivado aumento de aversão ao risco e depreciação de ativos de economias emergentes [como alta do dólar], inclusive os brasileiros”.
“Acreditamos que tais efeitos tendem a ser passageiros e que, a médio prazo, esses desenvolvimentos configuram pressão negativa sobre a atividade econômica global, e um potencial risco de baixa para a recuperação no Brasil”, acrescentou o Itaú.
Impacto nas aplicações financeiras
A eventual redução da Selic afetará aplicações financeiras como a caderneta de poupança e os investimentos em renda fixa.
Isso porque, no caso da poupança, a regra atual de remuneração prevê que os rendimentos estão atrelados aos juros básicos sempre que a Selic estiver abaixo de 8,5% ao ano.
Nesse cenário, a correção anual das cadernetas fica limitada a um percentual equivalente a 70% da Selic, mais a Taxa Referencial, calculada pelo Banco Central. A norma vale apenas para depósitos feitos a partir de 4 de maio de 2012.
Se o juro básico da economia recuar para 4,25% ao ano, a correção da poupança seria de 70% desse valor – o equivalente a 2,975% ao ano, mais a Taxa Referencial. A previsão de analistas é de que a poupança perca para a inflação em 2020.
Para tentar um rendimento melhor, economistas avaliam que os investidores podem buscar o Tesouro Direto – criado em janeiro de 2002 e permite a pessoas físicas a compra de títulos públicos pela internet, por meio de bancos e corretoras.
Outra opção é a renda variável, ou seja, a bolsa de valores. Nesse caso, porém, o risco assumido é maior, pois pode haver perda de recursos. A bolsa foi a aplicação financeira que apresentou o maior retorno em 2019, superando até mesmo o investimento em ouro.
Juros bancários altos
Mesmo com a taxa Selic no menor patamar em décadas, os juros bancários seguem em níveis elevados para padrões internacionais.
Em dezembro, segundo dados do Banco Central, a taxa bancária média (pessoa física e jurídica) somou 34% ao ano, enquanto que, para as pessoas físicas, totalizou 47,3% ao ano.
Em alguns casos, como no cheque especial e no cartão de crédito rotativo, estão acima de 300% ao ano. Recentemente, para combater esse problema, o BC anunciou o estabelecimento de um teto de juros para o cheque especial.
Dados do BC mostram que os cinco maiores conglomerados bancários do país detinham, no fim de 2018, 84,8% do mercado de crédito. Esse cálculo inclui os bancos comerciais, os múltiplos com carteira comercial e as caixas econômicas.
No ano passado, a rentabilidade dos bancos brasileiros ficou no maior patamar em sete anos e o lucro líquido dos bancos somou R$ 98,5 bilhões, recorde da série histórica que começa em 1994.
Em janeiro, o o diretor de Organização do Sistema Financeiro do BC, João Manoel Pinho de Mello, estimou que o chamado cadastro positivo poderá diminuir em cerca de 30% o “spread bancário” (diferença entre a taxa Selic e os juros cobrados dos clientes) de linhas como o cheque especial e cartão de crédito rotativo até meados de 2021.