Por Isabel Versiani

BRASÍLIA (Reuters) – Analistas têm chamado a atenção para os riscos de o governo Bolsonaro, enfraquecido pela crise da pandemia e pressionado pela estreita janela de oportunidade antes do período eleitoral, insistir em avançar com versões modestas ou distorcidas de reformas vistas como cruciais pelo mercado.

A avaliação é que, ao gastar capital político votando projetos minguados em áreas como a tributária e administrativa, o país possa acabar por atrasar ainda mais a possibilidade de aprovar mudanças que de fato viabilizem progressos estruturais.

“Acho que precisamos ter projetos melhores para avançar e dar à sociedade os ganhos dessas reformas”, afirmou a economista-chefe do banco JPMorgan no Brasil, Cassiana Fernandez, em webinar na última semana, ao defender que o mais adequado seria adiar para depois das eleições a tramitação dos projetos mais importantes.

Ela argumentou que as reformas tributária e previdenciária, por sua complexidade, demandam discussão ampla e a busca de consensos para garantir mudanças mais profundas. “Acho que você pode obter esse consenso na sociedade e aí você pode ter uma reforma bem mais forte e melhor.”

Em artigos nos últimos dias, os economistas Marcos Mendes–pesquisador do Insper e ex-chefe da assessoria especial do Ministério da Fazenda no governo Michel Temer– e Nilson Teixeira –sócio-fundador da gestora Macro Capital– foram na mesma linha, defendendo a postergação das duas reformas.

O governo já acertou com o Congresso que, no caso da tributária, o plano é aprovar medidas de forma fatiada, começando com a votação na Câmara de um projeto infraconstitucional que unifica o PIS e a Cofins em um imposto sobre valor agregado (IVA) denominado CBS.

Apesar de avaliar que o ideal seria que o IVA eventualmente abarcasse também o tributo estadual ICMS –considerado a principal fonte dos problemas do sistema tributário–, a equipe econômica argumenta que, como a medida enfrenta muita resistência, a opção será por estabelecer um IVA federal que possa futuramente agregar tributos estaduais e municipais.

Para Mendes, do Insper, o risco é que o esforço resulte em medidas que “nada têm a ver com a reforma”, como um novo Refis e a CPMF.

Um dos passos da proposta tributária do ministro Paulo Guedes envolve uma renegociação de dívidas tributárias. Sobre a CPMF, o ministro afirmou recentemente que “por enquanto” desistiu do polêmico imposto sobre transações.

Em entendimento fechado pelo governo com o presidente da Câmara, deputado Artur Lira (PP-AL), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), parte das medidas que compõem a reforma tributária começará a tramitar por uma das Casas e as demais, pela outra. Mas até o momento o governo ainda não encaminhou suas propostas, com exceção da CBS.

Já a reforma administrativa encaminhada ao Congresso, ainda em 2019, corta benefícios e propõe mudanças nas regras de estabilidade e progressão na carreira, mas apenas para os novos servidores públicos que venham a ser contratados. Ainda assim, deixa fora do alcance do projeto categorias como magistrados e parlamentares.

Críticos afirmam que, dado seu escopo limitado, a economia gerada pelo projeto não seria tão significativa e a reforma pode acabar contribuindo para perpertuar benefícios.

Rachel de Sá, analista de macroeconomia, afirmou recentemente que a proposta para a reforma administrativa é tímida e que eventuais novas exceções nos termos do projeto podem torná-la “inócua”.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma, primeiro passo para que o texto tramite no Congresso.

Lira e Pacheco têm reiterado comprometimento com as duas reformas, mas, há um ano e quatro meses das eleições presidenciais, a pauta política no Congresso tem estado bastante dominada pela CPI da Covid, que investiga as responsabilidades dos gestores públicos na pandemia do coronavírus.

ELETROBRAS

No caso do projeto de capitalização da Eletrobras (SA:ELET3), cujo texto aprovado na Câmara tem sido criticado por impor custos excessivos e de longo prazo aos consumidores, Fernandez apontou que há o risco adicional de sua implementação alimentar resistências mais amplas a processos de privatização.

“Eu temo que, se tivermos uma privatização ruim com aumento de preços para consumidores, você pode ter um efeito colateral de a sociedade dizer ‘está vendo, eu disse que privatização é uma coisa ruim’. Esse seria o pior resultado possível”, afirmou a economista em evento virtual organizado pelo Brazil-Florida Business Council.

Presente no mesmo evento, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, defendeu a agenda do governo e disse que 2021 será o ano das concessões e privatizações.

O relator da MP da Eletrobras no Senado, senador Marcos Rogério (DEM-RO), disse que apresentará seu parecer nesta semana. A MP tem que ser votado até o dia 22 de junho para não perder a validade.

Ao defender o adiamento das reformas complexas, um exemplo citado pelos economistas é o da reforma previdenciária. O projeto estava em tramitação no Congresso em 2017 quando, em maio daquele ano, o governo do então presidente Michel Temer sofreu forte abalo com a revelação de diálogo seu com um dos donos da holding J&F, que controla a JBS (SA:JBSS3).

Seriamente enfraquecido, o governo optou na ocasião por voltar o foco a projetos de menor envergadura. A reforma previdenciária acabou sendo aprovada no primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019.

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